Não importa a idade ou a circunstância envolvida. A morte sempre nos surpreende com a sensação de impotência e limitação. Além da dor.
Com grande pesar, recebi a notícia de que havia perdido a minha vózinha. Vó Marina, a única vó que conheci. Além da sua irmã, que chamamos de Tia Nega. Viveram juntas por quase a vida inteira e hoje se despediram.
Minha avó já estava bem doente. Ao longo de seus 94 anos (se não acertei a idade, era em torno disso) viveu uma vida de muita luta, muitos desafios, muito trabalho.
Ainda bem jovem, saiu fugida (mesmo!) do Nordeste com cinco filhos debaixo do braço, não deixou nenhum pra trás. Livrou-se dos maltratos do marido (meu avô, uma criatura difícil, daqueles homens que acham que esposa é capacho), veio pra São Paulo pra tentar viver com um pouco de paz e dignidade.
E conseguiu. Batalhou, mas conseguiu.
E sempre foi um doce, falava pouco, ria muito. Curiosa, amável, desconfiada com tudo e todos. Tivemos o privilégio, eu e meus irmãos, de crescer bem pertinho dela, já que morávamos no mesmo terreno, embora em casas separadas. E ela sempre respeitou nosso espaço, nunca tivemos problemas de relacionamento, embora vivessemos tão próximos. Uma linha imaginária foi traçada, a linha do respeito.
E a casa da vó sempre foi um lugar especial. Porta com porta, mas outro cenário, outra dimensão. Lá a gente podia comer bolinho de chuva, tomar café cheio de açucar (só pelo prazer de fazer "coisa errada", que na nossa casa era proibido, mas na casa da vó podia...rs), morrer de rir com a leiteira que apitava quando o leite fervia, mas que ela insistia em manter apitando por vários minutos. Quando minha mãe avisava: "D. Marina, pelo amor de Deus, desliga esta leiteira...o leite já ferveu!!! Ela na maior calma ria e respondia: "Ah, filha...ainda não "feuveu" bem não...deixa ai apitando mais um bocadinho..." rs
Já bem idosa, muitos problemas de saúde fizeram com que ela esquecesse de tudo e aos poucos, de todos. Ano passado estive com ela no Brasil, grávida de 5 meses do Victor, seu quarto(?) bisneto. Numa tentiva de manter uma conversa, após uma meia hora juntinhas, ela não sabia quem eu era. Esquecia a cada dois ou tres minutos que passavam.
E perguntava pra irmã, fiel escudeira: "Nega, quem é essa moça bonita que tá aqui nos visitando? E que barrigão, meu Deus! " rs
Vó Marina, você sempre foi um exemplo de vida pra mim. Sua garra, sua perseverança e a sua esperança sempre encheram meu coração de orgulho de ser sua neta.
Seus ensinamentos, seu amor a Deus, sua paixão e compaixão pela vida são dons que levarei pra sempre na memória. Só lamento não poder ter te apresentado o Victor, nem ter podido estar contigo neste ultimo momento, a distância física me impediu.
Que o Senhor a receba de braços abertos e que tenha separado pra senhora um lugar lindo, no reino celestial. Voce merece, vó! Sinto muito sua perda!
Te amo!
Agosto 2009, grávida do Victor - Nosso ultimo encontro
Dezembro de 2009: Vó Marina, Tia Nega e meus irmãos Digo e Mano